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Rascunhos por uma Educação Física histórica e crítica (pedagogia histórico-crítica)

Gabriel Garcia Borges Cardoso


E ESSA TAL DE PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA?


Dermeval Saviani (2018) ao apresentar no livro “Escola e Democracia” os apontamentos do que viria a ser a pedagogia histórico-crítica, nos apresenta que uma pedagogia revolucionária deve: entender que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade; superar pedagogias propostas anteriormente, não no sentido de negá-las totalmente, mas sim incorporando suas críticas recíprocas numa proposta radicalmente nova (o que, para Marx, é o processo de suprassunção: superação por assimilação); e ter a historicidade, ou seja, a consciência dos condicionantes históricos-sociais como cerne.

Como já vimos, esses apontamentos são diretamente ligados ao método materialista histórico-dialético. Por essa razão, nós, enquanto professores e pesquisadores, ao aproximarmos da pedagogia histórico-crítica, precisamos, consequentemente, nos aproximar do método materialista histórico-dialético.

Mas, afinal, o que é essa pedagogia histórico-crítica? Della Fonte (2011) nos apresenta que as circunstâncias que serviram de base para a fundamentação e formulação da pedagogia histórico-crítica, estão intimamente ligadas com a necessidade de proclamar o caráter político da educação e a inserção da educação na luta contra hegemônica, em um período em que, segundo Newton Duarte (apud DELLA FONTE, 2011), estavam instaladas no cenário educacional brasileiro, duas grandes polêmicas: as tecnologias educacionais e seus pressupostos positivistas, em meado da década de 1970, e as teorias crítico-reprodutivistas, em meados da década de 1980.

No livro “Escola e Democracia”, Saviani (2018) apresenta a definição de teorias crítico-reprodutivistas, como sendo teorias críticas, por apresentarem que não é possível compreender a educação sem ser a partir dos seus condicionantes sociais, havendo, nessas teorias, uma forte percepção da dependência da educação em relação à sociedade; e reprodutivistas, por sempre chegarem apenas à conclusão de que a função própria da educação consiste na reprodução da sociedade em que ela se insere.

Essas teorias pedagógicas, que surgiram, basicamente, a partir de maio de 1968, na França, tiveram grande importância no Brasil ao impulsionarem críticas ao regime autoritário e a pedagogia autoritária da época: a pedagogia tecnicista. Foi a partir das teorias crítico-reprodutivistas, que iniciaram as reflexões e análises contra o regime. Saviani apresenta que:

Inspirada nessas teorias, boa parte dos intelectuais voltados para a educação brasileira empenharam-se na denúncia sistemática da utilização da educação por parte dos setores dominantes, utilização exacerbada na vigência do regime autoritário como um mecanismo de inculcação da ideologia dominante e reprodução da estrutura social capitalista. Portanto, o mérito da tendência crítico-reprodutivista foi dar sustentação teórica para a resistência ao autoritarismo, para a crítica à pedagogia tecnicista e para desmistificar a crença, bastante comum entre os educadores, na autonomia da educação em face das relações sociais (SAVIANI, 2021, p. 395).

Porém, na medida em que as pesquisas foram se intensificando, os limites dessas teorias começaram a ser evidenciados. Elas possibilitavam fazer críticas ao existente, de explicitar os mecanismos da época, mas não apresentavam propostas de intervenção prática que visavam a transformação.

Aos poucos foram surgindo a necessidade de formulações de novas teorias pedagógicas. Teorias que possibilitassem, além da constatação, mudanças. Teorias que possibilitassem a transformação da sociedade. Assim, como afirma Saviani:

[...] a passagem da visão crítico-mecanicista, crítico-a-histórica para uma visão crítico-dialética, portanto histórico-crítica, da educação, é o que quero traduzir com a expressão pedagogia histórico-crítica. Essa formulação envolve a necessidade de se compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação. Esse é o sentido básico da expressão pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2013, p. 80).

Desta forma, a expressão pedagogia histórico-crítica representa o empenho em compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Essa teoria pedagógica tem como concepção o materialismo histórico-dialético, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana. Assim, é possível compreender a educação escolar tal como ela se manifesta no presente, mas entendida essa manifestação presente como resultado de um longo processo de transformação histórica (SAVIANI, 2013).

Numa síntese bastante apertada, podemos considerar que a pedagogia histórico-crítica é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que ser refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela "Escola de Vigotski". A educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social em que professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social. Aos momentos intermediários do método cabe identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2019, p. 28-29).

Dessa forma, na pedagogia histórico-crítica, como apresenta Silva (2013), o papel da escola é “trabalhar com as abstrações, distanciando os indivíduos, relativa e momentaneamente, da realidade imediata em direção ao conhecimento objetivo da realidade” (SILVA, 2013, p. 35). Para isso, é preciso entender que o “trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2013, p. 13), e que, o papel do professor é selecionar e transmitir, da forma mais adequada, o que há de mais avançado na produção humana.

Nesse mesmo sentido, em entrevista realizada por Newton Duarte, e publicada, em forma de capítulo, no livro “Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie”, Dermeval Saviani diz que “A educação escolar é o meio mais adequado para a apropriação, pelos trabalhadores, das conquistas históricas da humanidade que lhes aguçarão a consciência da necessidade de intervir praticamente para dar continuidade ao processo histórico, conduzindo-o a um novo patamar” (SAVIANI; DUARTE, 2021, p. 69). O autor explica, ainda, que essa formação histórica, citada anteriormente como função da educação escolar, deve ser articulada coletivamente e sistematicamente organizada, assim como sugerido pela pedagogia histórico-crítica, ao entender a educação como mediação no interior da prática social (SAVIANI; DUARTE, 2021).


 

REFERÊNCIAS


DELLA FONTE, Sandra Soares. Fundamentos teóricos da pedagogia histórico-crítica. In: MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (org.). Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.


SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 43.ed.rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2018.


SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 6. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2021.


SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas, SP: Autores Associados, 2019.


SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11.ed.rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.


SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton. Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas, SP: Autores Associados, 2021


SILVA, Efrain Maciel e. A pedagogia histórico-crítica no cenário da educação física brasileira. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília, Faculdade de Educação Física, 2013.

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