Ainda há muitos debates sobre sua origem, entre os pesquisadores. Porém, o que podemos afirmar, segundo o grande Mestre Pastinha, é que “a Capoeira é mandinga, é manha, é malícia… é tudo que a boca come”.
A ancestralidade é algo que está intimamente ligada à Capoeira Angola. Presente em todos os momentos, desde a preparação para o jogo, os “métodos” de ensino e aprendizagem, até as músicas que são cantadas em momentos específicos da roda. Essa ancestralidade é um elemento fundamental nas tradições de matriz africana. Segundo Goulart (2019), “o passado se faz presente, destacando-se nesse processo a figura dos ‘mais velhos’, aqueles que, por sua sabedoria e experiência de vida, assumem a responsabilidade de preservar e tornar saber ancestral acessível às novas gerações” (p. 14).
Nomes de personagens importantes na luta e resistência dos povos escravizados são, com frequência, lembrados e saudados nas músicas durante as rodas, como por exemplo: Zumbi dos Palmares; Besouro Mangangá; Dragão do Mar; Dandara; Maria Felipa; Tereza de Benguela.
Mestre Jogo de Dentro diz que esse estilo surge a partir da transformação de elementos culturais trazidos pelos negros bantos e de outras regiões da África, como o n’golo (ritual de iniciação dos jovens), o batuque, a ladja, a bassula, e o moringue (SANTOS, 2020, p. 69). Segundo Mestre Jogo de Dentro, “A Capoeira é um movimento de libertação do sistema opressor e de resistência, muitas vidas se foram para que hoje tivéssemos a nossa história, o nosso passado” (SANTOS, 2020, p. 18).
A Capoeira Angola tem como principais características, além da defesa e manutenção dos rituais à ancestralidade, ser um jogo mais lento, sem tantas acrobacias, com o corpo mais próximo do chão. O processo de ensino e aprendizagem, diferente de outras lutas e estilos que visam a graduação “acadêmica” (feita em academias), é um ritual íntimo, de confiança entre mestre e discípulo. Não há um padrão de ensino. A relação mestre e aprendiz é marcada pela afetividade e pelo contato direto entre os sujeitos.
Mestre João Grande e Mestre Cobra Mansa em Roda realizada no III Encontro Internacional de Capoeira Angola da FICA em Washington DC entre os dias 16, 17 e 18 de Maio de 1997 sob a coordenacão do Mestre Cobra Mansa e FICA DC - https://www.youtube.com/watch?v=UBIuFoLO16w
Característica principal da Capoeira, a música se faz presente em todo momento da roda. Segundo Mestre Jogo de Dentro, na Capoeira Angola existem três estilos de música: a Ladainha, o Arrogo e a Chula.
A Ladainha pode ser um lamento, uma oração, um sentimento onde vá externar a sua dor. Começa com Iê, realizada sem o jogo estar acontecendo, com dois capoeiristas ao pé do berimbau, e é finalizada com Iê.
Ladainha "Toda Bahia chorou", cantada por Mestre Boa Voz - https://www.youtube.com/watch?v=TxC_yHoRs5M
O Arrogo é uma história cantada com sentimento e lamento, os Mestres mais velhos cantavam nas rodas. A Chula não se canta Iê, e pode ser cantada durante o jogo. O coro responde logo em seguida.
Quem foi Mestre Pastinha?
Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981), durante sua infância dividia seu tempo entre as aulas no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, onde se dedicou a aprender a pintura, e às brincadeiras nas ruas do subúrbio de Salvador. Em 1899, ainda criança, costumava entrar em luta com um menino maior e mais ativo que ele, dessa forma, um velho africano, de nome Benedito, assitindo da janela àquela cena que se repetia com frequência, na rua de sua casa, se ofereceu para ajudá-lo.
Em 1902, entrou para escola de aprendizes marinheiros, onde ensinama capoeira a seus companheiros. Em 1910, ao dar baixa da corporação, começa a ensinar capoeira, porém de forma escondida, pois era uma atividade escondida, assim como já apresentamos na publicação A Capoeira e sua esportivização.
A partir de 1941, assumindo a missão de organizar a Capoeira Angola e de devolver a ela seu valor e visibilidade, enfraquecida pela emergência e popularização da Capoeira Regional, Mestre Pastinha funda o Centro Esportivo Capoeira Angola (CECA), localizado no Largo do Cruzeiro de São Francisco, a primeira escola de Capoeira Angola. Em sua academia, Pastinha adotou um uniforme com as cores de seu time de coração, onde treinou quando rapaz, o preto e o amarelo do Esporte Clube Ypiranga.
Mestre Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado, no dia 13 de novembro de 1981, aos 92 anos. O Brasil perdua um de seus maiores mestres, Não só o mestre de Capoeira Angola, mas o mestre da filosofia popular.
Documentário "Mestre Pastinha, rei da capoeira", dirigido por Carolina Canguçu - https://www.youtube.com/watch?v=Aiufa8mh9fs
Referências:
ACERVO DA CAPOEIRA. Mestre João Grande e Mestre Cobra Mansa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UBIuFoLO16w
CANÇÃO CAPOEIRA. Toda Bahia chorou-Mestre Boa Voz. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TxC_yHoRs5M
GOULART, Lucas Machado. Discípulo que aprende, mestre que dá lição. Uberlândia: Assis editora, 2019.
SANTOS, Jorge Egídio dos. Capoeira Angola e ancestralidade. Rio das Pedras, SP: Cristiano de Mello Gallep, 2020.
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