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Brincadeiras e jogos

Atualizado: 28 de abr.

O jogo é uma das manifestações mais antigas da humanidade, estando sempre associado ao divertimento e ao prazer (Huizinga, 2000). Uma das características marcantes, presente em todos os jogos e brincadeiras, é a existência de uma situação imaginária e de regras que, de forma explícita ou não, norteiam as ações dos jogadores (Rodrigues et al., 2013).


Assim como apresenta Elkonin (2009), pesquisar o processo histórico dos brinquedos é algo bastante complicado pois, "em primeiro lugar, o brinquedo arqueológico nada nos diz quanto ao uso que a criança fazia dele; em segundo, alguns brinquedos de hoje, inclusive entre os povos que se encontram em níveis mais baixos de evolução social, perderam sua relação direta com as ferramentas de trabalho e os utensílios domésticos, assim como a função que inicialmente possuíam" (Elkonin, 2009, p. 44-45).


Realizamos longa citação de Elkonin no parágrafo anterior para chamarmos atenção à relação do brinquedo com as ferramentas de trabalho que o autor apresenta. Segundo ele, o jogo e o brinquedo, além de simples divertimento e prazer, existe intima relação com a categoria de trabalho. Um dos exemplos usados pelo autor para elucidar essa relação, é a partir da brincadeira do pião e da piorra:


Nos períodos iniciais de desenvolvimento da humanidade, o homem, para obter fogo, friccionava um pedaço de madeira com outro. O atrito ininterrupto fazia-se melhor mediante a rotação com dispositivos em forma de furadores de diversos tipos. Os povos do Extremo Norte, para reforçar seus trenós, tinham de fazer numerosos orifícios. Essa perfuração também requeria a rotação ininterrupta. Segundo o testemunho de Reinson-Pravdin (1949), os pequenos furadores de madeira na forma primitiva de arco - feito de um pau e um cordão -, que podem ser postos em movimento por crianças, existem até hoje entre os brinquedos infantis dos povos do Extremo Norte. A aprendizagem da rotação ininterrupta era imprescindível, pois a criança que adquiria esse hábito aprendia facilmente o manejo de ferramentas cujo funcionamento era basicamente similar. Essa aprendizagem podia fazer-se não só com um modelo reduzido de furador, mas também com suas variantes modificadas. Variantes modificadas de furadores são as piorras, ou seja, fusos impelidos com os dedos e não com arco, como nos piões de chicote. Assim, tirando-se o arco do eixo do fuso, estaremos diante de uma simples piorra cujo impulso é algo prolongado (Elkonin, 2009, p. 45).

Assim, a partir dessa visão histórica, percebemos que o brinquedo foi, nessa etapa, uma ferramenta de trabalho modificada e uma transformação da atividade dos adultos, com o objetivo de preparar a criança para sua atividade futura. Logicamente, quando a função dessa ferramenta já não faz mais necessário, seja por evolução tecnológica ou por algum outro motivo, esse brinquedo não deixa de existir, apenas perde sua função preparatória para atividade laboral.


Compreendida tal relação, não podemos mais acreditar que a criança brinca naturalmente, que ela cria seus brinquedos e jogos de forma inata. Na realidade, a partir desse olhar histórico-cultural, "são sempre os adultos que introduzem os brinquedos na vida das crianças e as ensinam a manejá-los" (Elkonin, 2009, p. 46).


Toda essa explicação e fundamentação é necessária para afirmarmos que, a forma com que a brincadeira e os jogos são tratados, geralmente nas aulas de Educação Física, não nos serve. Muitas vezes, na escola, o trabalho com os jogos é realizado de forma instrumentalizada, voltado para a aprendizagem dos esportes ou de outras matérias de ensino. Esse processo dilui os jogos e as brincadeiras de seu contexto sócio-cultural, passando a considerá-los como um recurso metodológico e não como um conteúdo das aulas de Educação Física (Bracht et al. apud Rodrigues et al., 2013). Na Educação Infantil, percebemos que ainda há predominância do uso de brincadeiras e jogos no intuito de simples recreação, de forma espontânea e livre.


Ao considerarmos os jogos e as brincadeiras enquanto elemento da cultura corporal, precisamos retraçá-los, desde sua origem, desvendando como eles eram e como são hoje, buscando uma intervenção consciente sobre a realidade. Assim, devemos considerar a memória lúdica da comunidade e oferecer o conhecimento da diversidade de jogos e brincadeiras existentes nas diferentes regiões do estado, país e do mundo.


Num programa de jogos para as diversas séries, é importante que os conteúdos dos mesmos sejam selecionados, considerando a memória lúdica da comunidade em que o aluno vive e oferecendo-lhe ainda o conhecimento dos jogos das diversas regiões brasileiras e de outros países (Coletivo de Autores, 2012, p. 66)

Pique-pegue, jogos com bola, pular corda, amarelinha, pião e finca são exemplos de brincadeiras que atravessaram gerações. A esses tipos de brincadeiras, que possuem como característica pertencerem ao domínio público, chamamos de brincadeiras tradicionais.


Andrade, Cardoso e Carneiro (2023, p. 3), ao se esforçarem em produzir um texto que apresentasse “aos estudantes do Ensino Médio os conceitos, pressupostos e principais manifestações da Cultura Corporal”, sistematizaram um quadro com algumas das várias modalidades e estilos de Jogos e Brincadeiras presentes no mundo, fruto das transformações e criações culturais de cada sociedade:


Fonte: Imagem retirada do texto Para entender a cultura corporal: uma introdução para estudantes de ensino médio (Andrade; Cardoso; Carneiro, 2023, p. 14)


Refletir sobre quais brincadeiras os alunos brincam, e quais seus familiares brincavam quando mais novos; conhecer brincadeiras tradicionais de diferentes regiões e suas transformações; além da relação entre as mudanças nas formas de brincar e nos brinquedos, possibilitando reflexões sobre o acesso aos jogos eletrônicos e as relações com as brincadeiras “reais”, são necessidades e possibilidades dentro da escola.


 

Referências:


ANDRADE, Leonardo Carlos de; CARDOSO, Gabriel Garcia Borges; CARNEIRO, Fernando Henrique Silva. Para entender a cultura corporal: uma introdução para estudantes de ensino médio. Motrivivência, v. 35, n. 66, p. 01-22, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2023.e94901 .


COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Editora Cortez, 2012.


ELKONIN, Daniil B. Psicologia do jogo. Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.


HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Tradução: João Paulo Monteiro. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.


RODRIGUES et al. A produção da cultura lúdica em jogos eletrônicos. In.: REIS, A. P. et al. (Orgs.). Pedagogia Histórico-Crítica e Educação Física. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013.

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